A postergação que custa caro: insegurança jurídica e fatores de risco psicossociais no trabalho

A prorrogação para maio de 2026 da exigência formal de análise dos fatores de riscos psicossociais pela NR-1 pode soar como um detalhe técnico. Na prática, revela algo mais profundo: o modo como o país ainda hesita diante de um tema que já está na pauta global e que impacta diretamente o futuro do trabalho. […]

Por Ana Carolina Peuker

A prorrogação para maio de 2026 da exigência formal de análise dos fatores de riscos psicossociais pela NR-1 pode soar como um detalhe técnico. Na prática, revela algo mais profundo: o modo como o país ainda hesita diante de um tema que já está na pauta global e que impacta diretamente o futuro do trabalho.

A própria norma NR1 determina a avaliação de TODOS os riscos ocupacionais, o que inclui, portanto, os fatores de risco psicossociais. Não se trata de algo novo ou em aberto. A escolha de adiar sua aplicação plena não elimina o risco. Apenas o empurra para longe do radar da responsabilização.

A consequência direta é a confusão: empresas que querem fazer certo ficam sem diretriz clara; outras mantêm práticas ultrapassadas sem qualquer tipo de consequência. Nesse espaço de indefinição, quem mais perde são os trabalhadores e, em médio prazo, os próprios negócios.

Fatores como sobrecarga, conflitos recorrentes, falta de autonomia, ausência de reconhecimento e insegurança diante de mudanças não são abstrações. São parte da estrutura organizacional. Afetam saúde, engajamento, retenção e resultados. Já estão reconhecidos internacionalmente, por normas como a ISO 45003, e por evidências científicas consistentes.

Quando não são mapeados e tratados, seus efeitos aparecem: afastamentos, tensão crônica nas equipes, queda de produtividade e aumento de passivos invisíveis nos balanços. Organizações que atuam apenas quando o problema se torna jurídico ou financeiro operam em modo reativo e perdem força competitiva.

O artigo 7º da Constituição já assegura a redução dos riscos no trabalho como um direito do trabalhador. A saúde não é uma política optativa, nem um tema sujeito à conveniência. É parte da responsabilidade institucional. O adiamento de prazos pode ocorrer, mas a necessidade de ação já está posta.

A insegurança jurídica, nesse cenário, não é só uma questão técnica. É um fator que impacta diretamente o clima das organizações. Quando normas mudam sem previsibilidade ou sem orientação clara, a gestão também perde sua base de apoio. O resultado é mais incerteza, menos confiança e decisões cada vez mais cautelosas ou inércia.

Será preciso esperar até quando para mudar a postura? Falar de fatores de riscos psicossociais não é sobre punir empresas, mas sobre proteger vidas e fortalecer lideranças. É construir ambientes que sustentem performance com responsabilidade. É alinhar o discurso institucional à prática. O famoso “Walk the talk”.

O país já tem o que precisa para avançar: base legal, conhecimento técnico e bons exemplos. O desafio agora é consolidar isso como política de gestão. Não por obrigação, mas por visão. Quem lidera com antecipação ganha relevância, solidez e confiança. Os demais seguirão lidando com as consequências.

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