Europa avança na proteção da saúde mental. O Brasil? Adia.
Em maio de 2025, o Parlamento Europeu voltou a colocar a saúde mental no centro do debate legislativo. Em sessão pública com a Comissão Europeia, parlamentares cobraram medidas mais concretas para reduzir os riscos psicossociais no trabalho. O foco da discussão incluiu propostas de legislação específica, a regulamentação do direito à desconexão e o impacto […]

Em maio de 2025, o Parlamento Europeu voltou a colocar a saúde mental no centro do debate legislativo. Em sessão pública com a Comissão Europeia, parlamentares cobraram medidas mais concretas para reduzir os riscos psicossociais no trabalho. O foco da discussão incluiu propostas de legislação específica, a regulamentação do direito à desconexão e o impacto da inteligência artificial sobre o bem-estar no ambiente profissional.
O Parlamento já havia sinalizado essa direção desde 2019, quando aprovou um relatório que recomendava à Comissão a criação de regras mais claras para proteger trabalhadores diante do crescimento do teletrabalho. A diferença, agora, está na urgência do tema. A exposição contínua a fatores de risco psíquico, como carga de trabalho elevada, jornadas longas e ausência de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, se tornou estrutural. Segundo dados da European Labour Force Survey, quase metade dos trabalhadores da União Europeia já relatava, em 2020, esse tipo de exposição.
Esses números não diminuíram nos anos seguintes. Pelo contrário. O relatório Work Trend Index 2025 da Microsoft indica que 46% dos profissionais europeus se sentem sobrecarregados cognitivamente. Outros 39% afirmam que o ritmo atual de trabalho compromete a saúde mental. A resposta da política pública, portanto, começa a refletir a pressão dos dados, das organizações e dos próprios trabalhadores.
No Brasil, o movimento segue outro rumo. A entrada em vigor da nova NR-1, que reconhece expressamente os fatores de riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos, foi novamente adiada. A justificativa institucional remete à necessidade de adaptação técnica e operacional. Ainda assim, a postergação reforça uma lacuna crítica entre discurso e prática. Trata-se de um retrocesso em um momento em que a regulação internacional avança.
Enquanto a Europa discute formas de tornar a saúde mental tão mensurável e protegida quanto a segurança física, o Brasil insiste em tratar o tema como secundário ou difícil de implementar. Isso não significa que as empresas brasileiras não estejam se movendo. Muitas já atuam com base em normas como a ISO 45003, que orienta a gestão de riscos psicossociais com critérios objetivos. O problema está na ausência de coerência regulatória e na falta de diretrizes nacionais que impulsionem a maturidade emocional institucional.
Ignorar o impacto da saúde mental nos resultados é ignorar um risco econômico real. Estimativas da Comissão Europeia apontam que os prejuízos associados aos riscos psicossociais no trabalho superam 600 bilhões de euros ao ano. O cálculo considera afastamentos, presenteísmo, rotatividade e queda de produtividade. O mesmo fenômeno se repete no Brasil, ainda que em silêncio.
Há alternativas ao adiamento. A própria ONU, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, já consolidou a saúde e o bem-estar como pilares da sustentabilidade global (ODS 3) e do trabalho decente (ODS 8). Organizações que se antecipam à regulação e atuam com método, dados e planejamento colhem resultados tangíveis, tanto em performance quanto em reputação.
O que está em debate não é apenas a saúde individual. É a coerência das instituições com o mundo que dizem querer construir. Empresas e governos brasileiros podem esperar até 2026 para cumprir uma norma. Também podem reconhecer que o futuro da sustentabilidade passa pela saúde emocional e esse futuro já começou, há tempo, em outras partes do globo.