Familiaridade não é conhecimento técnico: o erro comum sobre Psicologia
Há temas que nos parecem tão próximos, tão cotidianos, que temos a impressão de já compreendê-los por completo. Emoções, relações humanas, estresse, motivação. É comum ouvir frases como “todo mundo entende um pouco de gente”. É justamente aí que mora o problema.

A Psicologia, enquanto ciência, nasce da tentativa de compreender o comportamento humano com método, evidência e responsabilidade técnica, não a partir da intuição ou da vivência pessoal. Ainda assim, seguimos confundindo Psicologia com senso comum, com opinião, intervenção com conselho e diagnóstico com questionário online.
Essa confusão não é nova, nem exclusiva do Brasil. O psicólogo norte-americano Keith E. Stanovich, referência no campo da epistemologia psicológica, descreve esse fenômeno como um “efeito de familiaridade enganosa”. Em “How to think straight about Psychology, ele afirma que muitas pessoas subestimam a complexidade da Psicologia científica justamente porque seus temas soam familiares. O que é familiar, geralmente, parece simples; quando, na verdade, não é.
A falsa equivalência entre vivência e saber técnico
A pandemia e, mais recentemente, o debate sobre saúde mental no trabalho, escancararam esse fenômeno. Ferramentas genéricas geram diagnósticos, palestrantes motivacionais viram psicólogos e por aí vai…Termos como “ansiedade”, “burnout” e “riscos psicossociais” passaram a circular com frequência. Se, por um lado, isso ampliou a conscientização, por outro, favoreceu a banalização de fenômenos humanos e organizacionais com densidade clínica, ética e social.
Saúde mental não é tendência, é um campo científico. Requer preparo teórico e técnico para entender contextos e dinâmicas humanas em profundidade. A NR-1 no Brasil, e a ISO 45003 no exterior, tornaram isso explícito: há exigência normativa e regulatória para que empresas avaliem fatores de riscos psicossociais com base em conhecimento válido e confiável.
Diagnóstico técnico não é checklist online. Vivência pessoal, por mais legítima que seja, não é ciência.
Quando abordagens simplistas ocupam o lugar da técnica, os impactos são múltiplos: ameaça à vida, perda de confiança das equipes, iniciativas inócuas, fragilidade institucional e, em muitos casos, risco jurídico.
Por uma Psicologia reconhecida como ciência
A Psicologia, como ciência, não existe para validar o que já achamos que sabemos. Ela serve para testar, refinar e muitas vezes desconstruir certezas intuitivas. Como lembra Stanovich
“a ciência não é aquilo que parece fazer sentido, é aquilo que sobrevive à evidência em contrário”.
Tratar a Psicologia como senso comum esvazia seu poder de transformação social e amplia o risco de intervenções equivocadas.