O ciclo dos modismos corporativos: Entre o avanço do conhecimento e a banalização de conceitos
Como as redes sociais e o oportunismo distorcem temas essenciais como Riscos Psicossociais, ESG e Segurança Psicológica

Nos últimos anos, temos assistido a um fenômeno recorrente no mundo corporativo: a ascensão meteórica de certos conceitos, acompanhada de uma explosão de discursos superficiais e da mercantilização daquilo que deveria ser tratado com rigor técnico e seriedade. Isso aconteceu com temas como as normas ISO, ESG (Environmental, Social, and Governance), HOP (Human and Organizational Performance), Segurança Psicológica e, mais recentemente, os Riscos Psicossociais.
Embora o reconhecimento dessas temáticas seja um avanço, há um lado sombrio nesse movimento: a apropriação oportunista de conceitos complexos por parte de indivíduos e empresas que buscam apenas lucro rápido e visibilidade, sem compromisso real com a transformação das organizações. As redes sociais amplificam esse fenômeno, tornando raso aquilo que deveria ser profundo e reduzindo a reflexão crítica a slogans sedutores.
Este artigo discute como essa dinâmica ocorre, quais os riscos dessa banalização e como podemos promover uma abordagem mais ética e fundamentada.
O ciclo dos modismos corporativos
A história se repete. Quando um novo conceito ganha espaço, especialmente se ele está relacionado a tendências regulatórias, mudanças culturais ou pressão social, surgem três movimentos distintos:
1. Adoção séria e embasada – Pesquisadores, especialistas e algumas empresas pioneiras começam a trabalhar no tema com profundidade, desenvolvendo metodologias sólidas e aplicando os conceitos com rigor;
2. Apropriação oportunista – Organizações e indivíduos sem formação consistente veem uma oportunidade de ganhar dinheiro ou exposição e passam a vender soluções prontas, superficiais e muitas vezes ineficazes;
3. Saturação e descrença – Quando práticas vazias se multiplicam, a percepção sobre o tema se deteriora, e aquilo que deveria ser um avanço organizacional passa a ser tratado como mais um “modismo” passageiro.
Esse ciclo não apenas desvaloriza o conhecimento legítimo, mas também gera efeitos colaterais perigosos, como a implementação de ações simbólicas sem impacto real, o desperdício de recursos e a desconfiança das empresas e trabalhadores.
Como as redes sociais amplificam esse fenômeno?
As redes sociais, por sua natureza, privilegiam conteúdos curtos, visuais e de alto engajamento. Isso cria um ambiente fértil para a proliferação de frases de efeito, fórmulas mágicas e simplificações perigosas.
No caso dos Riscos Psicossociais, por exemplo, o que deveria ser um debate sério sobre as condições de trabalho e a organização do trabalho muitas vezes é reduzido a:
- Checklists genéricos sem consideração pelo contexto específico de cada organização;
- Palestras motivacionais que culpabilizam o trabalhador pelo seu sofrimento;
- Certificações duvidosas que prometem compliance sem mudanças estruturais;
- Ações de “bem-estar” desconectadas da realidade laboral, como “pausas para mindfulness” em ambientes de trabalho que continuam exploratórios.
No campo do ESG, algo semelhante acontece: há uma distância crescente entre o discurso e a prática. Empresas divulgam relatórios sustentáveis e investem em ações de marketing “verde”, mas continuam operando com modelos que exploram trabalhadores e degradam o meio ambiente.
O mesmo padrão se observa na Segurança Psicológica, conceito popularizado por Amy Edmondson, que trata da criação de ambientes onde os trabalhadores possam expressar ideias e preocupações sem medo de represálias. O problema? Muitas empresas abraçam a ideia sem mudar processos internos, cultura de gestão ou estrutura hierárquica, gerando um ambiente onde a “segurança psicológica” existe apenas no discurso.
Riscos da banalização e os perigos da “Gestão performática”
A banalização de temas fundamentais leva a diversos problemas:
- Desacreditação de conceitos importantes – Quando um conceito se torna “da moda”, sua aplicação ineficaz pode gerar desconfiança, fazendo com que ele seja descartado sem que tenha sido de fato implementado corretamente;
- Desvio de foco – Organizações passam a investir tempo e dinheiro em ações simbólicas, enquanto os problemas estruturais permanecem inalterados;
- Culpa deslocada – Em vez de reconhecer falhas no desenho do trabalho, algumas empresas colocam a responsabilidade do bem-estar e da segurança psicológica sobre os próprios trabalhadores;
- Falsa sensação de progresso – Implementar checklists e selos não substitui mudanças reais no modelo de gestão.
Como evitar a armadilha dos modismos?
O combate à banalização de temas essenciais passa por algumas diretrizes:
A) Exigir embasamento e referências sólidas
Antes de adotar qualquer nova metodologia ou abordagem, é fundamental investigar:
- Quem são os principais pesquisadores e referências do tema?
- Que evidências sustentam essa prática?
- Quais organizações realmente aplicaram e obtiveram resultados concretos?
No caso dos Riscos Psicossociais, por exemplo, temos pesquisadores como Robert Karasek, Johannes Siegrist, Christophe Dejours e Yves Clot, que há décadas estudam o impacto da organização do trabalho na saúde mental.
B) Evitar soluções prontas e simplistas
Se uma consultoria ou profissional promete resolver um problema estrutural em poucos passos ou através de uma certificação rápida, desconfie. Modelos eficazes exigem diagnóstico aprofundado, adaptação ao contexto e implementação contínua.
C) Dar voz aos trabalhadores
Nenhuma iniciativa será eficaz se não houver diálogo real com aqueles que vivem o dia a dia da organização. Programas de bem-estar, segurança psicológica e ESG só funcionam se forem construídos com e para os trabalhadores.
D) Integrar práticas a um modelo de gestão coerente
Não adianta falar de Segurança Psicológica se a liderança não promove um ambiente de escuta. Não adianta investir em Riscos Psicossociais se a organização mantém metas abusivas. E não adianta ter um selo de ESG se a empresa não tem políticas sólidas para governança e impacto ambiental.
Conclusão: Profundidade e ética
O mercado está cheio de atalhos e soluções fáceis, mas a construção de culturas de trabalho saudáveis e humanamente sustentáveis exige tempo, consistência e compromisso real. Profissionais sérios e empresas éticas precisam estar atentos para não cair na armadilha da superficialidade.
O desafio não é apenas implantar conceitos, mas fazer com que eles sejam aplicados de maneira genuína e transformadora. Oportunistas vêm e vão, mas as organizações que realmente investem em mudanças estruturais constroem diferenciais competitivos sustentáveis.
O tempo sempre separa quem está comprometido com o impacto real daqueles que apenas seguem tendências. A escolha entre modismo e transformação real está na maneira como cada organização decide agir.