O descompasso entre Compliance e Gestão de Fatores de Riscos Psicossociais: Medir não é gerir

Nos último ano, a atenção ao risco psicossocial no trabalho cresceu exponencialmente. Com isso, multiplicaram-se pesquisas organizacionais que medem demandas de trabalho, controle sobre tarefas, clareza de papéis, suporte, reconhecimento, assédio e outras variáveis. Mas, aqui está o ponto que muitas empresas ignoram (ou preferem ignorar): esses levantamentos não significam compliance legal e, pior, não […]

Por Ana Carolina Peuker

Nos último ano, a atenção ao risco psicossocial no trabalho cresceu exponencialmente. Com isso, multiplicaram-se pesquisas organizacionais que medem demandas de trabalho, controle sobre tarefas, clareza de papéis, suporte, reconhecimento, assédio e outras variáveis. Mas, aqui está o ponto que muitas empresas ignoram (ou preferem ignorar): esses levantamentos não significam compliance legal e, pior, não gerenciam riscos.

Muitos países – incluindo Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália – possuem legislações claras sobre o dever de eliminar riscos à saúde e segurança, sempre que for razoavelmente viável. No Brasil, a NR-1 segue a mesma lógica: não basta medir riscos, é preciso agir sobre suas causas. Contudo, o que se vê, na prática, são empresas celebrando a realização de pesquisas (que, por vezes, realizam por conta própria ou sem embasamento técnico) como se isso, por si só, garantisse conformidade com a lei.

Aqui vai um paralelo simples: se um prédio apresenta risco de incêndio, não basta medir a temperatura dos andares e perguntar aos ocupantes se sentiram cheiro de fumaça. O que se espera é que sejam removidas as causas do incêndio – fios desencapados, materiais inflamáveis mal armazenados, sistemas elétricos sobrecarregados. No campo dos riscos psicossociais, a lógica é a mesma.

Uma pesquisa que aponta altos níveis de sobrecarga, assédio ou falta de clareza de papéis pode ser um termômetro útil, mas não é gestão de riscos. Gestão de riscos exige intervenção: revisão de cargas de trabalho, clareza nos processos, formação de lideranças, eliminação de práticas tóxicas. E isso precisa acontecer antes que o dano ocorra, não depois.

Os códigos de boas práticas ajudam a desenhar trilhas de ação, mas não substituem a responsabilidade legal de eliminar ou mitigar riscos na raiz. Medir pode ser um primeiro passo, mas não deve ser o último – e definitivamente não pode ser confundido com conformidade legal. Afinal, de que adianta um diagnóstico se a empresa segue permitindo que o problema se perpetue?

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