Quando o cuidado vira risco (e por que isso pode ser bom para todos)

Muita gente do RH ainda evita usar a palavra “risco” quando fala de saúde mental no trabalho. Prefere termos mais “leves”, como bem-estar ou engajamento. O problema é que essas palavras não têm força quando o assunto chega à mesa da alta gestão ou do conselho. Conselhos de administração tomam decisões baseadas em risco: o […]

Por Ana Carolina Peuker

Muita gente do RH ainda evita usar a palavra “risco” quando fala de saúde mental no trabalho. Prefere termos mais “leves”, como bem-estar ou engajamento. O problema é que essas palavras não têm força quando o assunto chega à mesa da alta gestão ou do conselho.

Conselhos de administração tomam decisões baseadas em risco: o que pode dar errado, qual o impacto, e com que frequência isso pode acontecer. Se o RH quer que fatores como burnout, assédio e sobrecarga no trabalho sejam levados a sério, precisa falar a mesma língua dos decisores.

Os fatores de riscos psicossociais são condições do trabalho que afetam a saúde mental das pessoas. Eles aumentam as chances de afastamentos, trocas de equipe, conflitos, processos e até crises de reputação. Todos esses impactos têm um alto custo, para as pessoas e para o negócio.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que o estresse no trabalho custa trilhões de dólares por ano no mundo. No Brasil, os afastamentos por questões mentais estão entre os que mais crescem. Isso não é só “mal-estar”: é um risco real.

Chamar isso de “pesquisa de bem-estar” pode parecer menos árido, mas também torna mais fácil ignorar os resultados. Quando a empresa enxerga o problema como risco, entende que precisa agir e rápido.

O que o RH precisa aprender com os conselhos

Empresas maduras tratam a saúde mental com a mesma seriedade que tratam segurança do trabalho, riscos financeiros ou ciberataques. Os conselhos querem saber: qual é a chance de algo dar errado? Qual o custo de não fazer nada? Isso pode gerar um processo? Um escândalo?

Nesse caso, o RH pode (e deve) apresentar essas respostas. Mostrando dados, mapeando áreas com maior risco, explicando os impactos e propondo ações concretas.

Além disso, os conselhos mais modernos já estão colocando saúde mental nas pautas de risco e ESG. Eles sabem que um ambiente que adoece pessoas também prejudica os resultados operacionais.

Cuidar das pessoas também é estratégia

Falar de fatores de risco psicossociais não significa abandonar o cuidado. Significa mostrar que cuidar das pessoas é coisa séria e precisa ser feito com planejamento, responsabilidade, domínio técnico e transparência.

Não basta medir “como as pessoas estão se sentindo”, nem oferecer benefícios soltos. É preciso entender o que, no trabalho, pode estar gerando sofrimento. Saber quanto isso custa e decidir o que pode (e deve) ser transformado.

Traduzir saúde mental em risco não é desumanizar, é colocar o tema no lugar onde ele pode gerar mudanças reais. RH não deve suavizar a dor, mas estruturar a resposta. A maturidade começa quando o cuidado deixa de ser promessa e passa a ser governado com a mesma seriedade dos outros riscos do negócio. Porque no fim das contas, o maior risco é fazer de conta que não há nenhum.

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