Saúde social ou dimensão do bem-estar?

A chamada “saúde social” ganhou espaço nos debates e reflexões pós SXSW 2025. Na conferência de abertura do evento, Kasley Killam reforçou a importância das conexões humanas, apontando que relações sociais de qualidade são um fator essencial para saúde e longevidade. O argumento faz sentido, mas a forma como esse conceito tem sido tratado me […]

Por Ana Carolina Peuker

A chamada “saúde social” ganhou espaço nos debates e reflexões pós SXSW 2025. Na conferência de abertura do evento, Kasley Killam reforçou a importância das conexões humanas, apontando que relações sociais de qualidade são um fator essencial para saúde e longevidade. O argumento faz sentido, mas a forma como esse conceito tem sido tratado me faz questionar se estamos realmente diante de uma nova categoria de saúde ou apenas resgatando algo que já sabíamos, mas negligenciamos.

Falar em “três tipos de saúde” — física, mental e social — simplifica demais um conceito mais amplo. O bem-estar envolve pelo menos oito dimensões interligadas: física, emocional, social, ocupacional, intelectual, ambiental, financeira e espiritual. Reduzir o social a um “novo tipo de saúde” ignora que ele sempre foi um eixo estruturante da nossa qualidade de vida.

A pesquisa “Social relationships and mortality risk” (Holt-Lunstad, Smith & Layton, 2010) já havia demonstrado que pessoas com laços sociais mais fortes têm 50% mais chance de sobreviver a longo prazo. O isolamento, por outro lado, tem impactos semelhantes aos de fumar ou viver com obesidade. Essa informação não é nova. O que mudou foi o agravamento da solidão, impulsionado pela digitalização das relações e pelo excesso de conexões superficiais.

O problema não está na falta de informação, mas na prática. Redes sociais, que prometiam aproximar as pessoas, muitas vezes operam como calorias vazias: rápidas, viciantes e pouco nutritivas. Nos isolamos em bolhas, interagindo apenas com quem reforça nossas crenças, sem espaço para o diálogo real. Enquanto isso, índices de solidão crescem e afetam não só a saúde mental, mas também a produtividade e os custos das empresas.

O que pode mudar esse cenário? Curiosidade. Relações genuínas exigem mais do que proximidade; demandam interesse real no outro. Neurocientistas mostram que a curiosidade ativa áreas do cérebro ligadas à memória e ao aprendizado, tornando as interações mais profundas. No ambiente de trabalho, isso se traduz em engajamento e maior colaboração.

O risco do debate atual é transformar a “saúde social” em um conceito passageiro, como se fosse uma tendência e não uma necessidade básica. O problema sempre esteve aí, mas foi ignorado em nome da eficiência, da produtividade e, mais recentemente, da digitalização das relações.

Se redes sociais são calorias vazias, o que realmente nos nutre são conversas autênticas, escuta ativa e disposição para sair das bolhas. O desafio não é criar uma nova saúde, mas reconhecer que a social sempre foi essencial.

Referência:
Holt-Lunstad, J., Smith, T. B., & Layton, J. B. (2010). Social relationships and mortality risk: A meta-analytic review. PLOS Medicine, 7(7), e1000316. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000316

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