Segurança psicossocial: de ação pontual à capacidade organizacional continua

Nos últimos anos, o tema da segurança psicossocial tem ganhado espaço nas discussões sobre trabalho e saúde mental. Mas ainda é comum ver empresas tratando o assunto como um projeto pontual: uma palestra no Setembro Amarelo, uma campanha de engajamento ou uma pesquisa de bem-estar com visual renovado. Essas ações podem ter um efeito simbólico […]

Por Ana Carolina Peuker

Nos últimos anos, o tema da segurança psicossocial tem ganhado espaço nas discussões sobre trabalho e saúde mental. Mas ainda é comum ver empresas tratando o assunto como um projeto pontual: uma palestra no Setembro Amarelo, uma campanha de engajamento ou uma pesquisa de bem-estar com visual renovado. Essas ações podem ter um efeito simbólico importante, apesar disso, não constroem um sistema de prevenção real.

Promover segurança psicossocial é, antes de tudo, desenvolver uma capacidade organizacional, algo que se aprende, se testa e se aprimora continuamente, assim como a gestão de qualidade, segurança física ou sustentabilidade.

Da campanha à estrutura

Quando uma empresa busca reduzir acidentes físicos, ela não se limita a cartazes e treinamentos esporádicos. Cria processos, protocolos e indicadores para entender onde estão os riscos e agir sobre eles. O mesmo raciocínio vale para os riscos psicossociais, que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2022), incluem fatores ligados à forma como o trabalho é organizado, às relações interpessoais e à gestão. Ambientes com sobrecarga de tarefas, papéis ambíguos, metas inalcançáveis ou falta de apoio das lideranças elevam o risco de adoecimento mental e, em longo prazo, comprometem o desempenho e a reputação institucional. A ISO 45003:2021, primeira norma internacional sobre segurança psicológica no trabalho, recomenda que as organizações tratem esses riscos com o mesmo rigor dedicado aos riscos físicos: diagnosticar, priorizar, agir e monitorar.

Na prática, isso significa criar sistemas internos de escuta e monitoramento, estabelecer responsabilidades claras e garantir que as decisões estratégicas considerem os impactos humanos do trabalho.

O papel do conhecimento e da linguagem

Outro ponto essencial é o letramento em saúde mental e riscos psicossociais. Segundo a OMS (World Health Organization, 2022), a falta de conhecimento sobre o tema é uma das principais barreiras para a implementação de ações efetivas. Líderes que não entendem o que são riscos psicossociais tendem a reduzir o problema a “falta de resiliência individual” quando, na verdade, a origem está muitas vezes nas condições de trabalho. Capacitar gestores e equipes significa construir uma linguagem comum. Isso permite identificar sinais precoces, ajustar práticas e prevenir danos. É o tipo de aprendizado que transforma uma política em prática cotidiana.

Escutar é mensurar

A percepção dos trabalhadores é o dado mais vivo de uma organização. Se as pessoas sentem medo de se expressar, não confiam na liderança ou percebem injustiça, há risco instalado, mesmo que os indicadores formais ainda não o revelem.

A escuta estruturada, como preconiza a NR-1 (Ministério do Trabalho e Emprego, 2024), é parte integrante da gestão de riscos. Converter essas percepções em informações agregadas analisando frequência, severidade e controle permite transformar experiências subjetivas em evidências gerenciais.

Do discurso à prática contínua

Segurança psicossocial é um processo de melhoria contínua. Requer tempo, dados e coerência. As empresas que evoluem nesse campo são aquelas que compreendem o tema não como um custo, mas como um ativo: um fator que sustenta produtividade, inovação e reputação. A Bee Touch tem atuado com esse propósito: ajudar organizações a transformar dados humanos em inteligência de gestão. O mapeamento de riscos psicossociais, quando feito de forma ética, anônima e recorrente, é uma ferramenta poderosa de prevenção e aprendizado coletivo.

No fim, o que distingue uma campanha de uma verdadeira capacidade institucional é a sustentabilidade do processo. Campanhas têm o mérito de inspirar, sensibilizar e abrir conversas importantes, contudo, é a estrutura que garante continuidade, aprendizado e coerência ao longo do tempo. Somente quando o cuidado deixa de depender de datas comemorativas e passa a integrar a forma como a organização pensa, decide e se responsabiliza, é que a segurança psicossocial se consolida como parte integral da cultura de trabalho.

Referências

  • International Labour Organization (2022). Psychosocial risks, mental health and well-being at work: A collective challenge. Geneva: ILO.
  • ISO 45003:2021. Occupational health and safety management — Psychological health and safety at work — Guidelines for managing psychosocial risks. International Organization for Standardization.
  • World Health Organization & International Labour Organization (2022). Mental health at work: Policy brief. Geneva: WHO/ILO.
  • Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil). (2024). Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1): Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. Diário Oficial da União.

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